22 mar PGFN tenta barrar na Justiça atuação de associações de contribuintes
Um movimento na área tributária tem chamado a atenção da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O órgão passou a monitorar associações de defesa de contribuintes que têm ajuizado centenas de ações pelo país para discutir teses importantes. Com liminares em mãos, divulgam as vitórias, especialmente por meio de redes sociais, para atrair novos associados.
Essa prática ganhou impulso a partir de 2018, segundo a PGFN. Foi quando os tribunais começaram a considerar desnecessária a juntada de lista de associados em demandas coletivas. Para obter uma decisão favorável sobre determinada tese, essas associações entram com diversos mandados de segurança pelo país. Três delas, identificadas pela Fazenda Nacional, ajuizaram cerca de 700 ações, que envolvem as principais discussões tributárias do momento.
Uma das associações acompanhadas postou em seu Facebook uma comemoração às “seguidas derrotas” impostas ao Fisco pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) na tese sobre ISS fixo para construtoras. No texto, dizia: “Quer recuperar mais dinheiro de ISS cobrado de forma indevida? Então filie-se já à associação, a única do Brasil que possui dois mandados de segurança coletivos transitados em julgado, que excluíram o ISS e o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins”. Esses mandados, acrescentava no texto, já beneficiaram “milhares” de pagadores de impostos e alcançam “qualquer filiado que se associar a qualquer tempo”.
Para combater esse movimento, a PGFN questiona na Justiça a legitimidade dessas associações, o que tem sido acatado. De acordo com o órgão, não representam algum setor específico ou mesmo determinada região. “Não há problema nenhum em associações impetrarem mandados de segurança coletivos. A questão é quando uma associação não reúne as condições processuais da ação”, afirma Lana Borges, coordenadora de estratégias judiciais da Fazenda Nacional.
Muitas vezes, acrescenta a procuradora, os contribuintes têm interesses antagônicos – algumas disputas tributárias, por exemplo, opõe importadores e indústria nacional. “A preocupação com essas ações é geral porque há um desvirtuamento do instituto de proteção a interesses coletivos e difusos.”
As cerca de 700 ações propostas pelas três entidades monitoradas pela PGFN tratam de aproximadamente 20 teses tributárias, segundo Gilson Pacheco Bonfim, procurador da Fazenda na 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). A partir das liminares, explica, há captação de clientes para o escritório de advocacia ou contabilidade que geralmente atuam com a associação. “É uma forma de captação de clientela proibida pela OAB”, diz.
O ajuizamento de ações em diferentes regiões ao mesmo tempo fere o princípio do juiz natural, afirma o procurador. “Esse princípio garante a imparcialidade e independência e, por causa dele, existem regras sobre onde as ações devem ser propostas”, diz ele, acrescentando que há risco para o contribuinte. “Ele pode deixar de pagar um tributo com base em liminar, pedir a compensação dos valores, receber uma negativa da Receita Federal e ainda ter que pagar o tributo com multa.”
A questão também passou a ser monitorada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que veda esse tipo de prática. O Código de Ética da entidade estabelece que a publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e não pode configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão. E o Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906, de 1994, afirma que é infração disciplinar angariar ou captar causas.
Para Halley Henares, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), é ruim para o mercado a atuação de uma associação “caça-níquel”, aberta apenas para captar clientes. “Gera insegurança jurídica para o contribuinte e prejudica a advocacia e os bons escritórios”, diz.
A OAB, por meio da seccional do Rio de Janeiro, chegou a entrar com uma ação civil pública contra uma dessas entidades, a Associação Nacional de Defesa dos Contribuintes Tributários (Andct), que vinha atuando com a Oliveira & Carvalho Auditoria e Consultoria. No ano passado, foi firmado um termo de ajustamento de conduta, encerrando a ação.
A 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro havia concedido liminar para que a associação e o escritório deixassem de praticar qualquer ato de divulgação de oferta de serviços jurídicos consistentes em captação de clientela, sob pena de multa no valor de R$ 20 mil para cada ato que viesse a ser praticado.
Na ação, a OAB afirma que uma advogada pertence aos seus quadros e indica como endereço profissional o da empresa, que patrocina mais de 250 causas nas esferas estadual e federal (processo nº 076473-28.2018.4.02.5101).
Em resposta ao Valor, a advogada que representa a associação e o escritório, Sylvia Drummond, diz que por meio do termo de ajustamento de conduta as partes envolvidas “buscaram o equilíbrio, sem se preocupar com vencedor ou vencido, optaram pela autocomposição”. Em decorrência do acordo, a advogada aguarda a extinção do processo.
Há decisões nos Tribunais Regionais Federais (TRF) da 2ª (RJ e ES) e 3ª Regiões (SP e MS) que não reconhecem a legitimidade dessas associações. Por isso, negam os pedidos feitos em mandados de segurança. Em um dos casos, há decisões contrárias em primeira instância e na 3ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região (processo nº 5007942-71.2019.4.02.5001).
Os desembargadores decidiram que, embora seja prescindível autorização e relação nominal dos filiados para a impetração do mandado de segurança coletivo, seria necessária a indicação dos beneficiados. Para a turma, não havia demonstração da atuação da associação na defesa dos interesses de seus membros que justifique o ajuizamento do mandado de segurança coletivo.
Em caso julgado pelo TRF da 3ª Região foi aplicada multa por litigância de má-fé. A 4ª Turma não reconheceu a legitimidade da associação pelo fato de ter ajuizado a ação em São Bernardo do Campo (SP), não ter associados na cidade e sua sede estar no Rio de Janeiro (processo nº 5000691.02.2017.4.03.6114).
Fonte: Valor Econômico