Pirelli é condenada em R$ 6 milhões por desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalho

Inquérito do MPT, autor da ação civil pública, identificou subnotificação de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; laudos técnicos e relatórios periciais apontam para a ocorrência massiva de afastamentos na linha de produção de pneus em Campinas (SP)

Campinas (SP) – O juízo da 12ª Vara do Trabalho de Campinas (SP) atendeu aos pedidos do Ministério Público do Trabalho (MPT) e condenou a Pirelli Pneus S/A ao pagamento de R$ 6 milhões a título de dano moral coletivo, além do cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho, dentre elas, a obrigação de emitir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) em casos de acidentes ou doenças ocupacionais, mesmo que haja apenas suspeitas de sua ocorrência. A multinacional italiana ainda terá que arcar com custos periciais no valor de R$ 240 mil. Ela pode recorrer da decisão junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Além da obrigação de emitir CATs, inclusive em casos suspeitos, a decisão impõe que a empresa cumpra, no prazo de 60 dias, independente do trânsito em julgado, as obrigações de realizar avaliação clínica detalhada de todos os casos de afastamento, permitir intervalos de repouso e recuperação de funcionários, disponibilizar assentos durante as pausas, fazer o rodízio de empregados em atividades desgastantes e adotar outras medidas de preservação à saúde dos trabalhadores, como a elaboração de estudos e relatórios que permitam uma análise mais aprofundada das condições laborais, seguida de programas de prevenção a riscos ergonômicos e riscos provenientes do calor, do ruído e do manuseio de substâncias químicas. Ao todo, são 15 obrigações a serem cumpridas pela Pirelli. A multa estipulada por eventual descumprimento de obrigações de “caráter preventivo e repressivo” é de R$ 5 mil por dia. Por sua vez, a multa por descumprimento de obrigações de “caráter pontual”, como a emissão de CATs, é de R$ 50 mil.

A sentença foi proferida pela juíza Erica Escarassatte, 9 anos após o ajuizamento da ação civil pública pelo procurador Silvio Beltramelli Neto, do MPT em Campinas. A decisão partiu da necessidade de mudanças na conduta trabalhista da multinacional, que desrespeitou as normas protetivas por muitos anos. O MPT conduziu um minucioso inquérito que identificou problemas graves relativos à falta de segurança nas linhas de produção de pneus na fábrica da empresa em Campinas, além de casos de subnotificação de doenças ocupacionais, especialmente a LER/Dort, que incapacita milhares de trabalhadores todos os anos.

Com a participação da Gerência Regional do Trabalho de Campinas e de profissionais do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Campinas, o inquérito civil constatou níveis de ruído (pressão sonora) e de calor muito altos, além do manuseio de substâncias químicas perigosas, o que necessitaria da adoção de programas especiais de proteção à saúde do trabalhador. Contudo, isso não era feito pela empresa. Outra fonte de problemas em relação à ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais estava relacionada às exigências posturais e de ritmo de trabalho, que propiciavam o aparecimento de DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), risco agravado por jornadas de trabalho de até 12 horas e pela ausência de pausas durante o expediente. O próprio laudo apresentado pela empresa reconheceu a péssima qualidade ergonômica dos postos de trabalho.

Segundo provas acostadas nos autos, consta que o Ministério do Trabalho e Emprego identificou número razoável de acidentes mensais e patologia apresentada por trabalhadores da Pirelli, definida como Síndrome do Impacto, devido aos movimentos repetitivos de membros superiores envolvendo ombros, cotovelos e punhos. Esses dados foram confirmados por meio de vistorias do CEREST, que diagnosticou doenças relacionadas ao trabalho, como lombalgias, tendinites e neuropatias, todas relacionadas às lesões por esforços repetitivos. Mesmo assim, o número de CATs emitidas pela multinacional era ínfimo, se comparado ao número de acidentados e doentes nas linhas de produção.

Foram juntadas no processo outras provas igualmente contundentes, com base nos relatórios da perícia do próprio MPT e também de inúmeras decisões judiciais em processos individuais de trabalhadores que contraíram doenças ocupacionais na Pirelli, mas não conseguiram afastamento pela não emissão de CAT. As informações obtidas junto ao INSS afirmam que “a empresa foi taxada por apresentar alta incidência de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho”, e que “ficou demonstrado que a empresa apresenta riscos para adoecimento do sistema músculo-esquelético de seus trabalhadores, em diversos postos e setores de trabalho”. Contudo, a Pirelli continua negando que haja nexo causal entre as doenças e o seu modo de produção.

“O fato é que, a despeito das provas carreadas aos autos do inquérito civil, dadas ao conhecimento da ré, não se sucedeu qualquer notícia de providências de saneamento dos importantes riscos apontados. Assim, impende perceber que, desde o início das investigações, a ré buscou protelar o caso junto ao MPT, apresentando documentos sintéticos e relatando dados que não se confirmaram, empiricamente, demonstrando falso interesse na resolução célere dos problemas ergonômicos e de maio ambiente de trabalho a que se submete seus obreiros. Ao agir desse modo, a ré deliberadamente expõe seus funcionários ao acometimento de LER/Dort”, escreveu na petição inicial o procurador Silvio Beltramelli Neto, que conduziu as investigações.

Liminar – Em julho de 2012, semanas após o ajuizamento da ação civil pública, a Justiça do Trabalho concedeu liminar em favor do MPT, determinando o cumprimento, até então de forma imediata, das obrigações confirmadas na sentença, em especial aquelas contidas nas Normas Regulamentadoras nº 4 e 7, incluindo a obrigação de emissão de CAT em caso de acidente ou suspeita de doença ocupacional.

Perícia – Durante a instrução do feito judicial, os representantes legais da Pirelli requisitaram a realização de perícia por profissionais nomeados pelo Judiciário. O pedido foi deferido pelo juízo, que nomeou um perito médico e um perito engenheiro para realizar a tarefa. Os trabalhos periciais tiveram início em outubro de 2015 e o resultado foi juntado no processo em janeiro de 2018. Os peritos analisaram o período de dois anos, entre os anos de 2013 e 2015, atendendo a um pleito da empresa nos autos do processo.

Utilizando-se dos resultados apresentados nos laudos periciais, a magistrada escreveu que “não houve resposta de adoção ou não do sistema de rodízio, sendo que na defesa, como já pontuado linhas acima, a ré confessa que não adota o sistema de rodízio. Assim, ela não preconiza a adoção de rodízio de atividades e nem intervalos de repouso e recuperação das estruturas corporais exigidas”. Mais à frente, o relatório dos peritos que, segundo a juíza, é “bastante detalhado”, traz um ponto que reforça o resultado da fiscalização do CEREST: ““A reclamada, via de regra, emite CAT em casos de acidentes típicos. A reclamada, via de regra, não emite CAT em casos de doenças ocupacionais”. O resultado da perícia judicial apontou para a confirmação das irregularidades apontadas pelo CEREST e pelo Ministério do Trabalho.

“A não emissão de CAT pelo empregador, além de ilegal, pode obstar a condição da garantia provisória no emprego a seus empregados, mas a tal ponto não se restringe. Também, maquia dados e estatísticas de política pública voltada para a área de saúde e medicina do trabalho, além de causar dano ao Erário. A omissão na emissão das CATs, a irregularidade na manutenção de programas de saúde do trabalhador e a inviabilidade de o empregado ter deferido o afastamento por acidente de trabalho levam ao enquadramento do empregador em alíquota mais benéfica no caso do recolhimento do SAT, e impossibilita a verificação correta e adequada do grau de risco da atividade do empregador. Referidas lesões vão além da órbita do indivíduo e afetam toda a sociedade”, escreveu a magistrada na sentença.

Processo nº 0000232-48.2012.5.15.0131

Escrito por ASCOM em 30 Abril 2021.